Há muito tempo ardia de impaciência por tal viagem: pensara nisso todos os dias; fizera cálculos, imaginava futuras felicidades. Queria teatros bufos, ceias ruidosas ao lado de francesas, passeios fora de horas, a carro, pelos arrabaldes. Seu espírito, excessivamente romântico, como o de todo maranhense nessas condições, pedia uma grande cidade, velha, cheia de ruas tenebrosas, cheias de mistérios, de hotéis, de casas de jogo, de lugares suspeitos e de mulheres caprichosas; fidalgas encantadoras e libertinas, capazes de tudo, por um momento de gozo. E Amâncio sentia necessidade de dar começo àquela existência que encontrara nas páginas de mil romances. Todo ele reclamava amores perigosos, segredos de alcova e loucuras de paixão.
Entretanto, o seu tipo franzino, meio imberbe, meio ingênuo, dizia justamente o contrário. Ninguém, contemplando aquele insignificante rosto moreno, um tanto chupado, aqueles pômulos salientes, aqueles olhos negros, de uma vivacidade quase infantil, aquela boca estreita, guarnecida de bons dentes, claros e alinhados, ninguém acreditaria que ali estivesse um sonhador, um sensual, um louco.
Casa de Pensão - Aluísio de Azevedo (1857-1913)